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Sob o olhar do Ator

Anotações, observações, inspirações e reflexões dos processos de criação.

O teatro me dá tudo e não me deixa ter mais nada.

DA SAUDADE QUE SINTO DE QUANDO ANDÁVAMOS JUNTOS 

AO MEU TIO VALDEMIR

agosto / 2017

Quais são as partes de mim que ficaram com você?

Aquelas que depois de algum tempo poderei te perguntar  quais eram mesmo e por onde elas andam, num papo repleto da memória de nós dois.

Ao responder você fará com que eu me reencontre.

Porque tenho a impressão que é isso o que somos:

o que deixamos com os outros.

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VIDA - A DAMA DA NOITE

agosto 2016

A vida é um branco, na cabeça de um ator, durante um monólogo.

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MEUS AMIGOS

julho / 2016

Meus amigos me melhoram.

Meus amigos me levam, me fazem viajar.

Meus amigos me fazem esquecer a dieta, me engordam.

Meus amigos são cúmplices, são irmãos.

São poucos, são raros.

Em tempo, eu os amo.

E eles sabem quem são, eu me desloco por eles.

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VÉSPERA DE ESTREIA - A DAMA DA NOITE

julho / 2016

A noite da véspera da estreia é um buraco negro na cabeceira da cama.

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TADZIO - FIM DE TEMPORADA

novembro / 2015

Estreamos para ficarmos 2 meses. 

Estamos a 5. 

 

Vitória do teatro em tempos tão difíceis para a produção cultural. 

 

Vitória de cada um de nós que caminhou passo a passo atenciosamente, cuidando do nosso ofício, alimentando dia a dia as relações pessoais e profissionais dentro da equipe e da peça com os parceiros, com o público e com a mídia da maneira mais honesta e criativa possível. 

Criamos amizades, vivemos amores, afetos e quase nada de desentendimentos.

Mas o que vivemos ninguém nos tira e é essa a delicia da vida. 

"Eu nunca quis ser jovem, o que eu queria mesmo era ter história", dizia a Lina Bo Bardi.

"Tadzio" já me dá um livro. 

E a sensação desta última semana na Cia da Revista é que estamos só começando.

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ENTREVISTA

Reestreia de Tadzio

setembro / 2015

Acabo de dar uma entrevista à Rádio Globo, não sei quando e nem a que horas vai ao ar e nem nada disso, sei apenas que entre as perguntas que recebi na lata (sem aviso prévio) do incrível jornalista, que me jogou de frente ao meu personagem e toda a sua complexidade, ele soltou:

 

"Quem morre vai descansar na paz de Deus.

Quem vive é arrastado pela guerra de Deus.

Deus é assim: cruel, misericordioso, duplo.

Seus prêmios chegam tarde, em forma imperceptível.

Deus, como entendê-lo?

Ele também não entende suas criaturas,

condenadas previamente sem apelação a sofrimento e morte."

(Carlos Drumonnd de Andrade)

- Deus faz isso mesmo com os Homens?

(Me perguntou sem tempo pra eu respirar, logo no dia de hoje.)

- Faz! Joga todo mundo na fogueira para ver quem sai de lá e como cada um sai. Deus é incrível, corajoso, você não acha?!

(Respondi a ele e humildemente me senti cúmplice do poeta.)

O melhor bate-papo com jornalista que já tive na vida!

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O MAIS IMPORTANTE DA VIDA É O MOVIMENTO 

outubro / 2014

Vivi durante muito tempo no apartamento em que nasci. 

De uns anos pra cá tenho mudado de casa a cada novo momento em que a vida me desafia.

Faço minhas malas, desfaço um apartamento, subo no meu carro e parto. 

Tenho alma de cigano, sou do ir, não sou do ficar. Coisa de artista mambembe.

Chego no novo lugar e me reorganizo inteiro.

Coloco meus livros antigos em novas prateleiras.

 

Ficam espaços vazios. 

Tenho cá pra mim que o mais importante é o movimento. 

"Não sou eu que vou ficar no porto parado, assistindo o movimento dos barcos".

O mar. Essa imensidão que nos ensina que existe - do lado de lá - um outro mundo. 

 

A gente só aprende quando se desloca.

E eu tenho o mundo pra aprender.

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IMAGINAÇÃO

agosto / 2014

O Tempo podem nos roubar,

A memória pode ser que se apague,

A inteligência pode deteriorar.

É a imaginação a única coisa que realmente temos.

Essa nada, nem ninguém, pode nos tirar.

Sabe-se lá se a morte.

Shakespeare não seria Shakespeare sem essa palavra:

- Imaginai!

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ATO III, CENA I. AMOR-TE DE MERCUCCIO

Ensaios de Romeu e Julieta - Mercuccio

março / 2014

Consideram esta a morte mais trágica do teatro mundial. 

Theobaldo e Mercuccio duelam. 

Não era para matar. 

Num gesto impreciso, um golpe mortal.

Theobaldo fere Mercuccio. 

Ferimento: "Não tão profundo quanto um poço, nem tão largo quanto a porta de uma igreja.

Mas é o suficiente, vai servir."

Mercuccio morre. 

Com a fragilidade de um inseto.

Como quando pisamos em uma formiga, sem nem saber.

Como a bala perdida que atravessa o porta-mala do carro, o banco traseiro, o banco da frente e atinge o coração da passageira que, em um suspiro, pára. 

Como num infarto fulminante.

Morre-se. 

Simples. 

Não há na morte nenhum acontecimento grandioso.

Nós os atribuímos a ela. 

Morre-se

Todos

Os dias

E um 

Pouco

Por

Dia. 

Acontece que muda tudo. 

A tragédia dos amantes começa aqui. 

Romeu resolve vingar a morte do amigo.

Amante (?) Como seria se não tivesse sido como foi?

Impossível saber. 

Pensamento inútil. 

Morre-se. 

Caetano: "No meio das névoas e mergulhado na melancolia, ao lado de tristes ciprestes, ajoelhado, derramando quentes lágrimas de saudade perante o túmulo da minha amada.

Morre-se assim

Como se faz um atchim

E de supetão

Lá vem o rabecão

Não não não não não não não não

Não não não não

Sim sim sim sim sim sim sim sim sim

Mas porém contudo todavia

No entanto outrossim

Uma bala perdida desferida na rua dos paqueradores de travesti voou e foi alojar-se no crânio de uma velha senhora que lia com fervor a sua bíblia lá no morumbi.

No cemitério, pra se viver é preciso primeiro falecer. Os vivos são governados pelos mortos. Que nada, os vivos são governados pelos mais vivos ainda. E no cemitério, devota alice, nós os ossos esperamos pelos vossos." Agora vou morrer no teatro. 

Na clássica, linda e trágica história dos amantes.

(Mas não é o personagem que morre?)

Só a gente sabe. 

O palco é um buraco negro. 

Não é a primeira vez. 

Já morri em Nelson e em Pinter. 

É bom. 

Posso ensaiar.

Por enquanto.

#shakespeare #romeuejulieta #mercucio

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PARA QUE AS FLORES NÃO MURCHEM

dezembro / 2013

Evito falar disso publicamente porque é algo realmente muito pessoal e cabe naquele lugar das coisas indizíveis, afinal, luto não é algo mensurável e também não se vê na aparência o quanto uma pessoa está ou não em luto. 

Mas acho que posso retribuir publicamente a algo que vem ganhando uma dimensão que eu não esperava e que talvez assim eu possa demonstrar meu profundo agradecimento a todos que estão por perto neste momento.

 

Após a passagem de minha mãe há pouco mais de três meses, raros são os dias que não recebo flores. Amigos, alunos, colegas de trabalho, vizinhos têm feito da minha casa um verdadeiro jardim. E me sinto muito bem ao perceber o amor que as pessoas estão emanando de todos os lugares e tenho certeza que ela está recebendo essa emanação da mesma forma que eu.

 

A última flor que ganhei foi das mãos de uma das amigas de minha mãe. Uma modesta e linda violeta num vasinho que coloquei na sala próximo ao porta retrato com a foto dela (que sempre existiu em casa, não enquadramos sua ausência física) e que a amiga me disse timidamente: “ela gostava muito de violeta”. E é verdade. Aqui em casa há uma “coleção” de violetas que estou prezando para que vivam por muito tempo. A elas se juntaram orquídeas (recém-chegadas e antigas que estão brotando novamente), rosas (algumas japonesas, lindas também), cravos, etc. Olhei para a foto e para a folha aveludada da violeta e lembrei da pele e da simplicidade ingênua de minha mãe, que se ocupava em cuidar das pessoas que amava e das flores. E acredito que esse jardim seja uma metáfora do que ela representa para todos nós. 

Fato é que estou me tornando um jardineiro de primeira, como se fosse por hereditariedade, para que as flores não murchem.

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ESTREIA

março / 2013

Como sempre me acontece em semana de estreia, sinto-me agora feliz e, paradoxalmente, como se estivesse diante de um abismo profundo: sem saber o que será do próximo passo. Aí, inseguro, começo questionar tudo: o meu trabalho, a peça, o teatro em si, a própria vida. E percebo que o que me retém é a sensação de impotência diante de tal abismo. 

E como um menino mimado que não larga o brinquedo por nada, sei que nesta semana terei o recorrente pesadelo de que não deu tempo de ensaiarmos o fim do espetáculo e que teremos que improvisar, sei também que darei gritos, abrirei sorrisos e tentarei parecer razoável diante dos que precisam de mim para a estreia ou mesmo aos que nada tem com isso. 

Estrearemos e no dia seguinte lembrarei do velho Abu que sempre pergunta aos seus atores em tal ocasião (citando Drummond): “E então?! A vida parou ou foi o automóvel?!”. Me pegarei neste momento sorrindo sozinho em algum canto que me traga paz. Entenderei que sim, vivo de “insignificâncias” (como Manoel de Barros de poesia) e me levantarei freneticamente em direção ao próximo mergulho.

Merda!

#estreia #merda #diretor 

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